Prostituição Sagrada (Hierà Porneía)
As hieródulas eram servas sagradas, oficiantes religiosas nos templos da Deusa do Amor, cujas funções incluíam ritos sexuais, mediante pagamento, em honra à deusa, que lhes retribuía com fertilidade e prosperidade, embora o dinheiro fosse mantido no templo.
A palavra deriva da raiz grega hieros, que significa sagrado ou santo, e essa palavra, por sua vez, relaciona-se a uma forma anterior, eis, para "palavras denotando paixão."
Era preciso que cada mulher do país, pelo menos uma vez em sua vida (antes do casamento) ou anualmente, se unisse sexualmente a um estrangeiro no templo de Vênus. Dava-se a quantia desejada e a mulher não tinha o direito de recusar o homem, pela sacralidade do dinheiro.
Tratava-se de um gesto honroso e respeitoso, que agradava tanto ao divino quanto ao
humano, de modo que a prática da prostituição sagrada não separava sexualidade e espiritualidade.
Assim o fervor erótico e o desejo sexual, inerentes à natureza humana, eram vivenciados
como bênçãos divinas, de tal forma que atitude religiosa e união sexual eram inseparáveis.
Acreditava-se que as Prostitutas Sagradas eram esposas de deuses e agraciadas por eles,
e por assim ser, eram consideradas pessoas especiais que podiam interpretar a vontade do deus, conceder suas bênçãos e fazer pedidos a eles pelos outros.
Quando a Deusa encarnava na Prostituta Sagrada, ela transmitia o prazer sexual divino, e por assim o ser, absoluto, capaz de transformar em arte de amar os rudes instintos animalescos do estranho.
Nessa união da Prostitua Sagrada com o estranho efetivava-se a junção do espiritual com o físico e transcendia-se o pessoal para se penetrar no ser divino.
As emoções humanas e as energias corporais criativas uniam-se com o suprapessoal.
Assim, o estranho tocava as forças regenerativas básicas porque acreditava que a deusa estava encarnada naquela mulher, carnal através do qual se uniam forças ctônicas e espirituais que garantiam a continuidade da vida e do amor. Por isto a Prostituta Sagrada oferecia uma profunda sensação de bem-estar, talvez a que não fosse sentida fora dos recintos sagrados.
O matriarcado se relacionava com a autoridade cultural, em oposição ao poder político
enfatizado pelo patriarcado.
Em matriarcados antigos, natureza e fertilidade consistiam
no âmago da existência.
As pessoas viviam próximas à natureza, muito embora seus deuses e deusas fossem
divindades da natureza. Suas divindades comandavam o
destino, proporcionando ou negando abundância à terra.
A paixão erótica era inerente à natureza humana do
indivíduo.
Desejo e resposta sexual, vivenciados como poder
regenerativo, eram reconhecidos como dádiva ou benção do divino. A natureza sexual do homem e da mulher
e sua atitude religiosa eram inseparáveis.
Em seus louvores de agradecimento, ou em suas suplicas,
eles ofereciam o ato sexual à deusa, reverenciada pelo amore pela paixão. Tratava-se de ato honroso e respeitoso, que
agradava tanto ao divino quanto ao mortal.
A prática da prostituição sagrada surgiu dentro desse
sistema religioso matriarcal e, por conseguinte não fez
separação entre sexualidade e espiritualidade.
Existem outras especulações sobre as origens da
prostituição sagrada.
Talvez ela tenha se desenvolvido, como ocorre com muitos
costumes, a partir de simples necessidade. Eram mulheres que desempenhavam tarefas servis nos locais sagrados e,
com o tempo, como foram associadas a coisas sagradas,
adquiriram certa santidade.
Sendo solteiras, tais mulheres eram procuradas por
homens; conseqüentemente, seus poderes religiosos cresceram.
Considerava-se que elas mantinham relacionamentos
íntimos com os deuses - freqüentemente uma dessas mulheres era tida como esposa de divindade masculina.
E assim ela era dotada do poder de interpretar sua vontade, ou de conceder bênção ou fazer imprecação.
Outra hipótese a respeito da institucionalização da
prostituição sagrada deriva de rito civil.
Nas primeiras tribos primitivas, uma jovem era oferecida a
membro designado da tribo, alguém diferente do homem
com quem ela poderia vir a se casar, para a cerimônia de
defloração. Era rito da iniciação como membro da tribo.
À medida que a tribo evoluiu culturalmente, tal ato passou a ser oferecido ao deus tribal com a intenção de serem obtidos favores divinos. Vestígio deste rito ainda era evidente na
Europa medieval no assim chamado jus primae noctis
(ou droit de seigneur), o direito do senhor feudal à primeira noite com a noiva. Ele poderia renunciar a esse direito
mediante remuneração, ou então insistir no direito à
defloração. Mas em ambos os casos a noiva tinha que se
apresentar ao senhor feudal antes de se unir ao seu marido.
Outros escritores explicam as origens da prostituição
sagrada como evolução do culto à Grande Mãe, ou Mãe
Terra. Ela era a deusa de toda a fertilidade, e a sua benção
favorecia a reprodução de colheitas, de crianças e da vida
animal para as primeiras culturas agrárias.
Relacionado à deusa da fertilidade, embora em posição
subordinada, estava o marido-filho-amante. Supunha-se quecomo tal união entre a deusa e o seu consorte garantia
fertilidade a terra, ela deveria ser imitada pelas mulheres que desejavam a sua benção.
Independentemente de virem ao templo do amor por determinação da lei, por dedicação ou por servidão, por sua origem real ou comum, por uma noite ou por toda a vida, sabemos que as prostitutas sagradas eram muito numerosas.
Nos templos de Afrodite em Erix e Corinto havia mais de mil.Elas gozavam de status social e eram cultas.
Em alguns casos, permaneciam política e legalmente iguais aos homens.
Havia prostitutos sagrados homens, chamados de qadhesh, sacerdotes efeminados que se vestiam com roupas
femininas e preenchiam a função feminina.